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SAAE: Reestatização do saneamento em diversas cidades do mundo atesta que privatização não é a solução


3 de junho de 2019, 12:53

“Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos” é o número 6 do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável da ONU, a Organização das Nações Unidas criada em 1945 com o intuito de promover a cooperação internacional no que diz respeito, entre outras coisas, aos direitos humanos e progresso social.

No escopo dessas duas preocupações humanitárias estão inclusos o abastecimento e a distribuição de água e a coleta e o tratamento de esgoto, serviços diários e indispensáveis na vida da população que, ao longo das últimas décadas, têm sido pauta de um recorrente debate: a privatização é ou não a saída para colocar um fim nos problemas e nas deficiências dos sistemas públicos?

As privatizações dos sistemas de água tiveram início a partir dos anos 1900. A partir dos anos 2000, revelaram-se ineficientes na maioria dos lugares onde foram adotadas, devido à ausência de investimentos programados, descumprimento de promessas e falta de transparência, como indica estudo feito pela Unidade Internacional de Pesquisa de Serviços Públicos (PSIRU), Instituto Transnacional (TNI) e Observatório Multinacional. Com base nos Panoramas da Prestação Privada dos Serviços Públicos de Água e Esgoto (ABCON) dos últimos anos, há ainda uma discrepância significativa entre as tarifas médias, com os serviços autônomos cobrando menos que os prestadores privados e que as companhias.

“Todos os países do mundo que universalizaram o acesso à água e ao esgoto sanitário, promoveram substanciais investimentos públicos, estatais, ou seja, foi o Estado que garantiu tais serviços”, afirma a engenheira sanitarista e ambiental Patrícia Borja. Professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA), doutora em Arquitetura e Urbanismo pela mesma universidade, Borja pontua que a experiência é a mesma no Brasil, usando como exemplos Itu (SP), onde “o não cumprimento do contrato, a falta de investimentos, a baixa qualidade dos serviços e a irregularidade do fornecimento da água levou o município a retomar os serviços e criar um Serviço Autônomo de Água e Esgoto” e Tocantins, onde “a Saneatins entregou ao Governo do Estado os serviços de 78 municípios deficitários e ficou com os que davam lucro”.

 

 

O engenheiro civil Sílvio Orrico, doutor em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), diz que se tratam de situações cíclicas, com as empresas pressionando para a privatização quando há perspectiva de lucro, mas, quando a atividade deixa de ser lucrativa, a mesma devolve com a justificativa de que o serviço tem natureza pública. “A outra situação é que nem sempre o serviço atende ao mínimo”, esclarece o professor da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). “E a população, cansada de reclamar, passa a acreditar que esta é a solução.”

No entanto, conforme aponta o resultado de uma auditoria sobre as PPP na Europa, realizada pelo Tribunal de Contas Europeu em quatro países, entre 1990 a 2018, as parcerias Público-Privadas (PPPs) produziram “insuficiências generalizadas e prejuízos”, deixando claro que este não tem sido o melhor caminho nem mesmo no continente europeu. Prova disso é que, até 2017, o saneamento havia sido reestatizado em 267 cidades do mundo. Paris, Berlim, Budapeste e Buenos Aires são exemplos concretos de cidades que, após experiências frustrantes com o setor privado, recorreram à remunicipalização do fornecimento de água e esgotamento.

A Lei Nacional do Saneamento Básico tem como pilares incontornáveis os princípios de controle social e transparência, indo desde a questão do planejamento e regulação dos serviços até a prestação e a fiscalização. Graças a esta lei, qualquer cidadão ou organização tem a possibilidade de obter informações, diferente do que ocorre com as empresas privadas. “Na lógica competitiva, as empresas privadas não abrem a caixa preta dos indicadores, especialmente os econômico-financeiros”, distingue Borja.

O custo de uma privatização pode ser muito maior do que se imagina para os cofres públicos. Na capital alemã, por exemplo, onde quase metade do sistema privatizado em 1999, o Estado teve que pagar 1,3 bilhão de euros para reassumir, em 2013, a responsabilidade pela prestação do serviço, um débito que a população pagará no decorrer de trinta anos.

“Toda vez que ouço sobre uma possível privatização do SAAE de Alagoinhas, eu faço questão de deixar claro que sou totalmente contra, pois o SAAE foi criado com o propósito de prestar um serviço público aos munícipes”, declara a diretora geral da autarquia alagoinhense, Maria das Graças Reis. A engenheira sanitarista e ambiental fala com a propriedade de quem atuou como diretora técnica entre 2001 a 2004 e depois, entre 2004 a 2008, esteve à frente da autarquia, período em que a cobertura de esgotamento sanitário da cidade saiu de 2% para 13%.

Onze anos depois, com um pacote de obras de infraestrutura em progresso, conveniado com o Governo Federal, a expectativa é que a porcentagem salte para 35%. “Alagoinhas tem total condições de ter um serviço municipal de água, seja do ponto de vista topográfico, operacional ou administrativo e financeiro”, garante a diretora. “Ainda que tenhamos problemas pontuais no abastecimento, nós atendemos tanto a zona urbana quanto a zona rural, com qualidade e uma tarifa acessível, enquadrada em diferentes categorias: social, R1, R2, R3, Público, Comercial, Filantrópico.”

 

Estação de Tratamento Fonte dos Padres, obra em progresso que faz parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 1)

 

A privatização também apresentaria um risco de perda da contrapartida social, porque há regiões que seriam inviáveis para uma empresa privada abastecer. Atualmente, os chamados sistemas deficitários, cuja arrecadação não paga nem a tarifa de energia ou a substituição de um conjunto motobomba, é custeado pela sede, onde há maior volume de recurso.

“O SAAE trabalha com a lógica de ter que trocar um motor danificado, por exemplo, independente de quanto arrecada na localidade, para poder garantir a qualidade de vida das pessoas.”

Borja frisa que se o saneamento é uma mercadoria para o setor privado, a venda do serviço será concentrada onde haja comprador que possa pagar. Todavia, em contraponto a essa ideia de mercado, o saneamento presa pela inclusão. “Água é vida, então a solidariedade é a regra, o que significa que não cabe um modelo de saneamento que empresas ganhem dinheiro, ou seja, que elas lucrem vendendo água, pois para isso as populações mais pobres são excluídas devido à sua menor capacidade de pagamento”, conclui.

Se a capacidade de investimento do SAAE não estivesse comprometida por causa de dívidas herdadas da gestão municipal anterior no valor de mais de R$ 14 milhões, muito mais poderia ser feito. Conforme divulgado em matéria publicada em 22 de maio de 2019, somente com o INSS e com a Coelba, o total do débito encontrado no início da atual gestão atual em 2017, chega a R$ 5,5 milhões e R$ 8,5 milhões, respectivamente. Do montante total, até abril de 2019, já foram pagos um total de R$ 2.911.479,78. Ao final deste ano, a cifra deve ultrapassar os R$ 4 milhões.

 

Estação Engenheiro Francisco Távora (Estação Sobocó)

 

Logo, a causa para as limitações atuais — que, sim, existem — devem-se exclusivamente ao mau uso dos recursos públicos em outra época, um dinheiro que poderia ser utilizado para a aquisição de veículos pesados, construção de novos sistemas, implantação de reservatórios e de extensões de rede, investimento em tecnologia operacional, compra de hidrômetros, entre outros.

O diretor administrativo e financeiro, Francisco Brito, afirma que a visão do SAAE com relação a superávit, a médio e a longo prazo, é de chegar pelo menos a 15% de investimento nos próximos cinco anos. “Enquanto O SAAE visa ser superavitário, isto é, arrecadar mais do que se gasta para converter em benefícios para os próprios usuários, uma empresa privada almeja o lucro, e, para nossa realidade, tal lucro poderia gerar uma fuga de receita”, esclarece o diretor. “Se não agrega lucro, tem o subsídio”, ressalta o diretor. “Em relação à energia, o Governo está sempre subsidiando alguma coisa, então se é pra vender e o Governo continuar tutelando, é melhor não vender”, pontua.

Os desafios são muitos, mas o SAAE tem demonstrado cotidianamente a capacidade de andar com as próprias pernas, honrando com as dívidas, pagando todos os fornecedores e salários em dia, e tudo isso ainda aumentando, paulatinamente, a capacidade de investimento.

 

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ASCOM Serviço Autônomo de Água e Esgoto – SAAE Alagoinhas

 

 

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